Por que os médicos não conseguem identificar assassinos em massa?

Por RICHARD A. FRIEDMAN (27 de maio de 2014)

Assassinos em massa, como Elliot Rodger (*), ensinam à sociedade todas as lições erradas sobre a ligação entre a violência, doença mental e armas – e o que devemos fazer sobre isso. Um dos maiores equívocos, exprimidos pelos nossos comentaristas e políticos, é que podemos evitar essas tragédias se melhorarmos o nosso sistema de cuidados em saúde mental. É uma idéia reconfortante, mas nada poderia estar mais longe da verdade.

Embora a intensa atenção da mídia possa sugerir o contrário, assassinatos em massa – quando quatro ou mais pessoas são mortas de uma só vez – são eventos muito raros. Em 2012, eles representavam apenas cerca de 0,15 por cento de todos os homicídios nos Estados Unidos. Devido à sua natureza terrível, no entanto, eles recebem atenção da mídia sensacionalista que distorce a percepção do público sobre o risco real representado pelos doentes mentais.

Quem assistiu ao assustador vídeo do YouTube de Elliot Rodger, detalhando o seu plano de vingança assassina antes de matar seis pessoas na semana passada perto de Santa Barbara, na Califórnia, compreensivelmente associou loucura com violência. Embora seja verdade que a maioria dos assassinos em massa têm uma doença psiquiátrica, a grande maioria das pessoas violentas não são doentes mentais e pessoas com doenças mentais não são violentas. Na verdade, apenas cerca de 4% da violência em geral nos Estados Unidos, pode ser atribuída a pessoas com doença mental. A maioria dos homicídios nos Estados Unidos é cometida por pessoas sem doença mental e que usam armas.

Assassinos em massa são quase sempre homens jovens, que tendem a ter muita raiva e ser solitários. Eles são muitas vezes psicóticos, fervendo de ressentimento e planejando vingança por percepções mínimas e injustiça. Como grupo, eles tendem a evitar o contato com o sistema de saúde mental, por isso é difícil identificar e ajudá-los. Mesmo quando eles recebem avaliação psiquiátrica e tratamento, como no caso de Elliot Rodger e Adam Lanza, que matou 20 crianças e sete adultos, incluindo a mãe, em Connecticut em 2012, temos que reconhecer que a nossa capacidade atual de prever quem provavelmente é violento, não é melhor do que o acaso.

Vários estudos epidemiológicos mostram que a doença psiquiátrica é um fator de risco para o comportamento violento, mas o risco é pequeno e ligado apenas a alguns poucos transtornos mentais graves. Pessoas com esquizofrenia, depressão maior ou transtorno bipolar tinham duas a três vezes a mesma probabilidade de serem violentas quanto aquelas sem esses transtornos. A existência real de ocorrência de violência entre as pessoas com doença mental grave é de cerca de 16% em comparação com 7% entre pessoas que não são doentes mentais.

O que a maioria das pessoas não sabe é que o abuso de drogas e álcool são fatores de risco muito mais poderosos para a violência do que as doenças psiquiátricas. Os indivíduos que abusam de drogas ou álcool, mas não têm transtorno psiquiátrico são quase sete vezes mais propensos agir com violência do que aqueles que não abusam dessas substâncias.

Como psiquiatra, dou boas vindas à decisão de nossos políticos de melhorar o nosso sistema de saúde mental. Mas é improvável que mesmo os melhores serviços de saúde mental evitem estas tragédias.

Se não podemos identificar com segurança as pessoas que correm o  risco de cometer atos violentos, então como podemos evitar que armas caiam nas mãos daqueles que são susceptíveis de matar? Elliot Rodger não teve nenhum problema para comprar armas legalmente porque ele não tinha sido internado em alguma instituição de recuperação e nem involuntariamente hospitalizado, sendo que ambos são geralmente fatores que o teriam impedido de comprar armas de fogo.

Para prevenir assassinatos em massa ou homicídios em geral, seria eficaz relaxar os critérios para admissão ao tratamento psiquiátrico involuntário, como alguns argumentam? É duvidoso!

A diretriz atual para tratamento psiquiátrico contra a vontade do paciente é, na maioria dos estados, o risco iminente de danos a si mesmo ou aos outros. Se não mostrar ser uma ameaça direta de violência ou parecer excessivamente perturbado, você não receberá o tratamento involuntário. Quando Elliot Rodger foi entrevistado pela polícia depois que sua mãe se alarmou por causa dos vídeos que ele havia postado, várias semanas antes, ele apareceu calmo e controlado e, portanto, não foi preso. Em outras palavras, um assassino com aparência normal que esteja tranquilamente planejando um massacre pode facilmente escapar de ser descoberto.

Na esteira dessas mortes horríveis, seria compreensível se o público quisesse tornar mais fácil forçar o tratamento de pacientes antes que uma ameaça seja percebida. Mas isso poderia simplesmente desencorajar outras pessoas com doenças mentais de serem honestas e levar alguns dos pacientes mais graves para longe do sistema de saúde mental.

Nós sempre tivemos – e sempre teremos – Adam Lanzas e Elliot Rodgers. O fato preocupante é que pouco podemos fazer para prever ou mudar o comportamento humano, particularmente a violência; é muito mais fácil controlar sua manifestação e limitar os meios mortais de auto-expressão. Em cada estado, devemos impedir que indivíduos com história conhecida de doença psiquiátrica grave ou abuso de substâncias, as quais indicam aumento do risco de violência, possuam ou comprem armas.

Mas até que façamos alterações como essa, a tragédia do assassinato em massa continuará a ser uma parte da vida americana.

(*) http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2014-05-25/policia-confirma-que-elliot-rodger-e-atirador-de-santa-barbara.html

Richard A. Friedman é professor de psiquiatria clínica e diretor da Clínica de Psicofarmacologia na Faculdade de Medicina Weill Cornell.

Fonte: http://www.nytimes.com/2014/05/28/opinion/why-cant-doctors-identify-killers.html?_r=0

 

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2018-02-02T17:09:10+00:00 2 de junho de 2014|Categorias: Bipolar, Blog, Depressão, Juridica, Portador TH|Tags: , , , |0 Comentários

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