Eu vou tomar remédio para sempre?

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Como todo médico escuto esta frase-indagação muitas vezes. Na prática clínica além dos quadros agudos, sejam infeciosos ou traumáticos, a grande maioria das condições tratadas no cotidiano são crônicas. Isto quer dizer, não existe uma cura, assim o tratamento quando existe é de manutenção ou contínuo, com o intuito de evitar, as consequências e o sofrimento causados pela doença, evitando ou tentando retardar a progressão da mesma.

É assim, por exemplo, para a hipertensão arterial, diabetes mellitus, asma, artroses, artrites, insuficiências cardíacas, doenças pulmonares obstrutivas crônicas, AIDS, vários tipos de câncer. O tratamento contínuo leva a um grande problema de saúde pública, a baixa adesão aos tratamentos contínuos. A cronicidade leva a negação ou a revolta dos pacientes frente aos seus diagnósticos, que podem levar ao abandono do tratamento. Não é fácil aceitar nossas fraquezas e falibilidades. Para piorar os tratamentos costuma ter efeitos colaterais, são caros . Não é fácil.

Apesar dos avanços da Medicina, algumas pessoas a combatem ardorosamente. Acusada até como uma subsidiaria da indústria farmacêutica, como prescritora de medicamentos que levariam ao enriquecimento da indústria farmacêutica. Crítica, que nega a história milenar da Medicina, muito anterior a qualquer menção a palavra capitalismo ou indústria farmacêutica. Outros afirmam, serem o abandono da vida natural a origem das doenças, e dentro deste retorno a natureza, o abandono “da química” seria o caminho da saúde. Não podemos negar as doenças da modernidade, relacionadas ao sedentarismo, hiperatividade e dietas hipercalóricas como vilãs da saúde, mas ao mesmo tempo não podemos negar que os avanços levaram a mudança de épocas nas quais a mortalidade infantil levavam a maioria dos bebes e uma pessoa de 40 anos era idosa.

A psiquiatria é também uma especialidade bastante atacada. Aqui somada a pessoas, que negam a possibilidade do uso do conceito de doença mental. Nenhum médico, desconhece, que qualquer doença é antes de tudo um conceito, criado, para estudar fatos naturais. É assim que funciona a medicina.

Todas estas críticas antimedicina aumentam os problemas de adesão, e mesmo a falta de tratamento para grande número de pessoas. No caso dos transtornos mentais crônicos, que implicam na necessidade do uso contínuo da medicação, isto é marcante.

Quadros depressivos, esquizofrênicos, bipolares, pânico, fóbicos, obsessivos-compulsivos melhoram bastante com os tratamentos, que incluem as medicações. As drogas psiquiátricas são das mais estudadas e testadas na medicina, até por sua condição contestada. Os estudos mostram que são drogas também das mais eficazes. Suas ações permitem o equilíbrio e diminuição da gravidade dos sintomas. Estes mesmos estudos também indicam que estas medicações devem ser mantida por períodos de tempos, mesmo após a eliminação dos sintomas, por vezes até continuamente, caso contrário, as chances de retorno dos sintomas são enormes. E a presença dos sintomas significa que os processos biológicos patológicos persistem, muitas vezes provocando danos ao organismo.

Quanto a resposta as perguntas dos pacientes, em geral seguimos dados obtidos através de pesquisas, quando podemos afirmar algo: chances de eliminação dos sintomas, melhora, probabilidade de recaídas, etc. Apesar da medicina seguir as evidências científicas, a individualidade ainda é fundamental, não existem certezas, cada caso é um caso. O médico e o paciente devem sempre discutir todas as etapas do tratamento, seus riscos, custos e benefícios. As decisões sobre o uso ou suspensão dos tratamentos são sempre conjuntos. Alguns pacientes precisarão da medicação por tempo indeterminado. Para sempre, ninguém poderia afirmar, pois não podemos prever novos achados, mudanças, inovações ou possibilidades. Procuro sempre manter esperanças, quando ainda temos esta possibilidade, mas mantendo o pé na realidade, e não iludir, ou nos iludir, com aquilo que não sabemos.

Autor: Dr Marcelo Feijó de Mello –  Médico psiquiatra, professor adjunto do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP. Prove Unifesp

Fonte: https://www.facebook.com/prove.unifesp/?fref=nf

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2018-02-02T17:14:04+00:00 27 de junho de 2016|Categorias: apoio ao tratamento, Bipolar, Blog, Comportamento|Tags: , , |4 Comentários

4 Comentários

  1. Fabio 8 de agosto de 2016 às 02:08 - Responder

    Gostaria de sugerir que editem o texto “AIDS”. Esta sigla se refere a doença terminal ou imunidade extremamente comprometida. A maioria dos brasileiros portadores do vírus são “soropositivas para o HIV” e não doentes de AIDS.

    • Equipe Abrata 13 de agosto de 2016 às 19:08 - Responder

      Caro Fábio

      Vamos encaminhar a sua sugestão ao autor do artigo.
      Abraços
      Equipe ABRATA

  2. Júlio 16 de agosto de 2016 às 22:24 - Responder

    Ainda possuo uma dúvida em relação a este tema, afinal é possível que o médico psiquiatra possa suspender a medicação de seu paciente? Vejo muitas vezes que a medicação é por tempo indeterminado, mas já ouvi de um psiquiatra que o desmame da medicação pode sim ser feito assim como li em alguns site confiáveis da internet que é possível. Gostaria de ouvir a resposta de vocês da ABRATA. Obrigado!

    • Equipe Abrata 1 de setembro de 2016 às 18:07 - Responder

      Prezado Júlio

      O artigo a que você se refere, do Dr. Marcelo Feijó, é bastante interessante e muito bem escrito. Como ele deixa claro, a decisão de se manter um tratamento por tempo indeterminado ou proceder a uma suspensão do mesmo, deve se basear em pesquisas e conhecimentos científicos. Ele mantém a esperança acesa para a possibilidade de surgirem novos tratamentos que possam trazer melhores resultados e controle das doenças (até com a chance de não precisarem ser tomados indefinidamente), mas isso ainda não é a realidade em muitos casos – como, por exemplo, o caso do transtorno bipolar. Ele não fala especificamente em nenhuma doença, mas sim em geral. Somente o psiquiatra, junto com o paciente, pode avaliar, caso a caso, se existe a possibilidade de suspender a medicação ou se ela deverá ser mantida continuamente para proteger a saúde mental da pessoa.
      Um abraço,
      Equipe ABRATA

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