Dr Teng Chei Tung – Membro da Conselho Científico da ABRATA
Quando uma pessoa recebe a notícia de que é portadora do diagnóstico de transtorno afetivo bipolar, ela normalmente sente um choque, como se fosse uma notícia horrível, ter uma doença estigmatizante e incurável, e a primeira reação é de negar, ou buscar argumentos para desconfirmar o diagnóstico. Para o seu companheiro (namorado/a, marido ou esposa, etc.) o choque pode ser um pouco diferente. Algumas vezes, o companheiro já desconfiava, e nesta situação é comum que ele ou ela foram um dos principais incentivadores da procura de ajuda, e a confirmação do diagnóstico traria até um alívio, no sentido de se confirmar que existe um problema, e que este problema pode ser enfrentado e resolvido. Em outros casos, o companheiro nem desconfiava, e todos os problemas que o paciente apresentava em termos de alterações de comportamento e suas consequências, o companheiro atribuía a culpa ao próprio paciente, como se ele não tivesse auto-controle ou fosse responsável pleno por tudo o que acontecia de ruim. Nesta outra situação, em geral o relacionamento já não estaria bom, e o diagnóstico poderia aumentar ainda mais o distanciamento e a qualidade da relação.
Diante desta nova realidade, a de que a pessoa com quem se convivia tem um problema mental crônico que exige tratamento pelo resto da vida, o companheiro se vê envolvido subitamente por vários dilemas: eu vou aguentar tudo isso? Eu mereço sofrer o que eu já sofri? E se eu sair da relação, o que vai ser do meu companheiro/a? Se eu continuar, o que eu preciso fazer? Até quando eu vou levar esta situação? E por que aconteceu só comigo?
Para começar, o transtorno bipolar é relativamente comum, podendo afetar de 3 a 10% da população. Desta forma, é bem comum alguém ter se envolvido com uma pessoa que depois se soube ser bipolar, e de qualquer forma se relacionar com essa pessoa nem sempre é um “show de horrores”, pois ter problemas é a regra em qualquer relacionamento. Talvez na relação com uma pessoa bipolar, a imprevisibilidade e a inconstância (os altos e baixos), tragam situações de estresse e desgaste a mais, mas também a intensidade com que as pessoas bipolares se entregam nas coisas que fazem podem trazer momentos muito bons e gratificantes na relação. Portanto, estar se relacionando com uma pessoa bipolar não é tão diferente em relação a uma outra pessoa que possa ter problemas com álcool, ou ter alguma outra doença, ou não conseguir subir na vida. Todos temos problemas e defeitos, e um relacionamento dependo de se enfrentar os problemas e defeitos, e achar soluções e melhorias para que o casal consiga superar e crescer com tudo isso.
Então, o que o companheiro de uma pessoa bipolar precisa fazer para ajuda-lo? A sequência de orientações que serão listadas a seguir poderia ser adaptada a qualquer problema mais crônico ou básico que a pessoa possa ter, como problemas com drogas, com relacionamento com as pessoas ou com o trabalho. O primeiro passo é saber se a pessoa já percebeu que tem problemas que podem ser do transtorno bipolar, ou seja, se já consegue reconhecer que uma parte importante dos seus problemas pode ser explicado pela doença bipolar. Se ele não aceita, dizendo argumentos como “eu sou assim, nasci assim, não vou mudar”, ou “todos os problemas meus são os outros que ficam me causando”, então o trabalho vai ser tentar mostrar sempre que possível informações sobre o transtorno bipolar, principalmente depois que essa pessoa faz um comportamento típico, sofre a consequência e se arrepende (por exemplo, depois que gastou demais). Sempre em momentos depressivos, a pessoa aceita mais, e nos momentos mais eufóricos, a pessoa aceita menos. Porém, o mais importante é fornecer à pessoa informações de boa qualidade, consistentes, no momento que essa pessoa possa aceitar melhor, e não no calor da emoção, como por exemplo no meio de uma briga, ou de uma crise de choro. Aos poucos, a pessoa vai entendendo melhor, e vai aceitando que pode ter o problema, até aceitar procurar uma ajuda.
E depois que o paciente procura a ajuda de um profissional de saúde, o problema já está resolvido? Infelizmente, ainda não. É a regra que os pacientes bipolares sejam inconstantes também na aceitação da doença com fases que aceitam mais e fases que não aceitam, e por conseguinte começam um tratamento e depois largam, sendo esse ciclo pode ocorrer algumas vezes no decorrer da vida. Apenas os pacientes que conseguem se manter em tratamento estável, regular, sem abandonos, que tem a melhor chance de não terem a sua vida e seu futuro prejudicados pela bipolaridade. E ter um tratamento que deixe o paciente realmente bem por um longo prazo pode demorar bastante tempo, até alguns anos de tentativas com diversas medicações. Essa dificuldade em se achar um esquema de tratamento realmente adequado é bem desgastante, tanto para o paciente como para o companheiro, exigindo paciência e persistência, além de muito diálogo e apoio mútuo dos companheiros, e da equipe de tratamento, incluindo todos os profissionais envolvidos, o médico, psicólogo, assistente social e outros. Entretanto, quando se gosta da pessoa, todos esses esforços são recompensados, pois fazendo um bom tratamento, na maioria das vezes a doença fica bem controlada, e o relacionamento conjugal pode ser muito proveitoso e satisfatório. E o companheiro tem um papel fundamental para o sucesso do tratamento, na medida em que ele ajuda o paciente a não abandonar o tratamento, não errar nos medicamentos, não faltar às consultas com os profissionais. Tudo isso demanda um grande esforço, principalmente quando o paciente está entrando numa crise de euforia ou depressão, quando o paciente começa a fazer todos os comportamentos próprios do quadro clínico, como ficar irritado ou agressivo, ou descontrolado em gastos e outras impulsividades, ou depressivo e incapaz de se esforçar, de reagir. O companheiro e os demais familiares precisam considerar que o paciente está fazendo tudo aquilo por estar fora de controle, em crise, e que depois que a crise passa, ele vai voltar ao normal. A culpa pelos comportamentos inadequados é da doença, não do paciente, e é a doença que precisa ser combatida e criticada, não o paciente.
Portanto, o companheiro de um paciente bipolar precisa se inteirar da melhor forma possível sobre o transtorno bipolar, com informações de boa qualidade e confiáveis, e tentar fazer com que o paciente também as receba e compreenda, além de ajuda-lo a manter o tratamento sem abandoná-lo ou interrompê-lo.
O que mantém um casal unido? A ausência de problemas? Certamente não. Possivelmente, uma sensação entre ambos de que lutar juntos nas adversidades é compensador, ambos saem enriquecidos e a relação é fonte de crescimento para os dois lados. Se não for assim, se apenas um dos membros do casal tem que fazer o esforço de cuidar do bem estar comum, certamente é hora de reavaliar a situação.
E quando se deve desistir da relação? Não existem regras, a sugestão é sempre lutar até as últimas forças, até o último limite, de cada um . Se não der, como acontece com muitas relações, infelizmente o relacionamento acaba, e cada um “sai catando os cacos” e se reconstruindo da melhor forma possível. Entretanto, sempre que possível, deve-se estimular pela manutenção do relacionamento, pois é tão difícil hoje em dia se conseguir ter um bom relacionamento, e desistir de relacionamentos antigos sempre se perde muito.
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