A luta Antimanicomial faz 40 anos no Brasil (II)

Até há pouco tempo, qualquer menção contrária ao movimento antimanicomial, seria quase impossível. Com certeza, receberei muitas críticas por falar sobre este assunto, não defendendo o movimento como ele é atualmente.

A luta antimanicomial no meu entender é um dos últimos redutos de um movimento que impõe suas ideias através de ativismo, que invade, destrói, agride, é contra a liberdade de expressão e da democracia. O movimento usou o mote da reforma psiquiátrica, de defesa dos direitos dos pacientes psiquiátricos, para se perpetuar no poder, ganhando com isto cargos, empregos, verbas públicas, garantias e corporativismos. Sem dúvida, foi uma estratégia muito bem-feita, pegando carona no movimento global da reforma da saúde mental.

Reforma da saúde mental, não é luta antimanicomial, esta última é, assim como outros movimentos, sem terra ou sem teto, um movimento da violência. O próprio nome denuncia: luta. Numa guerra existem sempre dois lados, os inimigos a se vencer são a psiquiatria e os psiquiatras, a ciência ou a academia.

É importante aqui fazer a distinção do que é a reforma da saúde mental, um processo global. Trinta e oito anos se passaram desde a promulgação da lei 180, da reforma psiquiátrica na Itália, partindo de movimentos em prol dos direitos do paciente psiquiátrico e tratamentos fora do sistema asilar. Nascida a partir dos movimentos de direitos humanos nos anos 60-70, tornou-se consenso a partir da demonstração das péssimas condições, nas quais os pacientes eram então submetidos. As ideias de Franco Basaglia e outros se espalharam por vários países, na chamada reforma psiquiátrica. A ideia seria de que os pacientes teriam os mesmos direitos aos tratamentos como os demais doentes, os tratamentos psiquiátricos deveriam ocorrer nos mesmos espaços dos demais tratamentos médicos, com internações somente voluntárias com algumas exceções.

Não foi diferente no Brasil com uma mudança na legislação orientando o tratamento psiquiátrico para um sistema chamado não hospitalocêntrico, a chamada lei da reforma psiquiátrica. De fato, houveram conquistas, com o fechamento de inúmeras instituições degradantes e uma regulação das internações involuntárias, mas a reforma foi tomada pela ‘luta antimanicomial”, com o aparelhamento da saúde mental pública em vários níveis, durante um processo de décadas.

Neste tempo o patrulhamento ideológico, de possíveis desvios dos mandamentos revolucionários, foram sistematicamente quebrando várias defesas da saúde pública, impedindo qualquer avanço ou mudança do que foi inicialmente proposto. Revoluções que duram décadas em alguns países, nos dão medo, pois levam a destruição e ao atraso. As revoluções para se manterem, além da força, sempre mantem um bode expiatório: neste caso a Medicina e a ciência.

Qualquer pessoa com bom senso acreditaria que todos os psiquiatras são a favor de um hospital psiquiátrico decadente, que trata muito mal seus pacientes? Será que todos os psiquiatras ganhavam muito dinheiro com as internações? Será que os psiquiatras são sádicos que adoram trancar as pessoas nestas instituições.

A revolução ainda continua, mas agora enfraquecida com o descalabro da corrupção e da quebra do governo e o desmanche da saúde como um todo. Ainda é difícil discutir com base na bioética e na ciência o que precisamos fazer na saúde pública. A própria bioética, já faz sua “mea culpa”, pelo seu abandono da saúde mental. Toda a bioética está embasada na autonomia e liberdade do indivíduo, levando as escolhas do paciente. Contudo, este terreno se torna quase que proibitivo, quando no transtorno mental grave o julgamento e a escolha, são pela própria definição critérios da doença mental.

Aqui, o movimento da luta antimanicomial, está enfurecido, por ter sido apeado do poder após 30 anos. Mobilizaram muitos profissionais de saúde mental e parte da mídia, seduzindo-os pelo momento de tensão e pelo sabor da revolução. Muitos, mais novos, não conhecem a fundo estes bastidores. Não é defensável o ministro da saúde, que apesar de psiquiatra foi indicado, por ninguém menos que Eduardo Cunha. Ainda, não teve a sensibilidade, ou talvez seguindo a linha de seu chefe (acredito que propositalmente), resolveu jogar lenha na fogueira, convidando um desconhecido para o cargo, ainda com antecedentes de ter sido um diretor de hospital psiquiátrico.
A mobilização da revolução antimanicomial, quer usar a opinião pública a seu favor. Mas não seria este mais um jogo, semelhante ao que ocorre na guerra: assembleia X planalto. Uma guerra medíocre. Onde os oponentes estão pensando no próprio umbigo e não em quem realmente precisa, os pacientes e seus familiares.

Nós, brasileiros, precisamos sim, observar objetivamente nosso sistema de saúde mental, e na realidade o sistema de saúde pública como um todo, que infelizmente vai muito mal. Está falido. Com isto discutir de verdade, abertamente, para planejarmos o futuro. Somos um país, que é democrático e tem uma vertente de solidariedade, que culminou com o SUS, com acesso à saúde universal e gratuito. Este deve ser protegido, mas inevitavelmente repensado.

Não acho sério nenhum planejamento de saúde, que exclui o médico. Há exatos 28 anos passados, eu e meu colega Jose Paulo Fiks, ainda muito jovens, terminando a residência em psiquiatria, aprovados nos primeiros lugares em concurso para sermos psiquiatras do Hospital Pinel, fomos muito mal recebidos, por darmos rótulos, remédios, por usarmos aventais, enfim por sermos médicos. Isto não mudou, se não piorou, pois ainda converso com os jovens psiquiatras que se aventuram nestes empregos. Mesmo no próprio departamento de psiquiatria, estagiários e residentes de outras especialidades, são muitas vezes extremamente agressivos com os psiquiatras, que estão ali para lhes dar aulas e supervisões. Ações que mais parecem revolucionárias, onde os médicos devem ser combatidos. Neste nível não há debate. Ao meu ver discrimina o doente mental pobre (aumentando o estigma), por exclui-lo de receber tratamento psiquiátrico moderno.

Apesar da tentativa de acabar com a psiquiatria (ao menos a pública) por decreto, a psiquiatria brasileira, fora do sistema público cresceu enormemente. É respeitada pelos demais colegas, é a 6a em termos de publicações de impacto no mundo, temos o 2o maior congresso de psiquiatria do mundo, a revista brasileira de psiquiatria é a de maior impacto entre todas as especialidades. O fato é que aqueles que podem recorrer ao psiquiatra, através do sistema privado, tem acesso ao que é feito de melhor em psiquiatria. O oposto do que existe na saúde pública.

A psiquiatria trabalha com equipes multiprofissionais, sendo o psiquiatra um destes profissionais. O psiquiatra é visto pelo movimento antimanicomial como aquele que não conversa, só medica e classifica. Não é somente o psiquiatra que é demonizado: opõe-se ao psicodiagnóstico e à psicoterapia, qualquer teoria que fale das origens das psicoses que não seja social, é demonizada. A doença para a revolução é um construto social e o paciente como um bode-expiatório. Sendo diretrizes oficiais (!) 1) retirada dos medicamentos psiquiátricos, 2) não tratar a loucura, mas criar um espaço onde ela tenha um cabimento, 3) o tratamento deve ser feito pela equipe do PSF através da vinculação, escuta e responsabilização de cuidados e 4) construção de atividades de trabalho, cultura, educação.

A saúde mental é parte da saúde, os CAPS funcionam separados deste sistema. Os CAPS restringem o atendimento a um número insignificante de pacientes, num país com 200 milhões de habitantes. Os CAPS ficam longe dos hospitais gerais, ou dos serviços de saúde, são como quartéis generais do movimento antimanicomial, longe dos médicos. A saúde mental sem as várias instâncias de atenção em saúde (emergência, unidades básicas, ambulatórios de especialidades, hospitais dia, internação e reabilitação) parecem como mini-manicômios excluídos do sistema.

Por estas razões não apoio a luta antimanicomial. Sou a favor da saúde e principalmente dos pacientes e de seus familiares. Apoia-la seria a meu ver ser conivente com o autoritarismo, contra a democracia. Nosso país não merece mais isto.

Autor: Marcelo Feijó de Mello/ PROVE – Programa de Atendimento e Pesquisa em Violência
Fonte: https://www.facebook.com/prove.unifesp/?fref=photo
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2018-02-02T17:13:03+00:00 12 de janeiro de 2016|Categorias: Blog, DEPOIMENTOS|Tags: , , |6 Comentários

6 Comentários

  1. ELIANE BALBINO 13 de janeiro de 2016 às 17:37 - Responder

    OLÁ!

    TAMBÉM SOU CONTRA MANICÔMIO, MAS TEM HORAS QUE O SOFRIMENTO DA FAMÍLIA É GRANDE, COM ISSO, DÁ VONTADE DE INTERNAR. CREIO QUE O TEMOS FALTA DE CONHECIMENTO PARA ENTENDER ESSES DISTÚRBIOS. é DOLOROSO, MEU MARIDO ESTÁ ME DEIXANDO LOUCA. ESTOU QUASE INDO EMBORA , PASSA POR PSIQUIATRA E PSICOLOGO. MAS NESSES DOIS ANOS É DE CRISE CRÔNICA, NÃO TENHO PAZ…
    ESPERO QUE COM ESCLARECIMENTO EU POSSA AJUDAR MEU ESPOSO E NÃO ENLOUQUECER…QUERO NOSSA FAMÍLIA UNIDA, NÃO QUERIA SEPARAÇÃO…SÓ QUE TEM HORAS SER INSUPORTÁVEL!

    GRATA!

    ELIANE

    • Equipe Abrata 13 de janeiro de 2016 às 21:44 - Responder

      Prezada Eliane!
      Aproveitamos a oportunidade e a convidamos para participar dos Grupos de Apoio Mútuo, caso resida em SP. Esta atividade é muito importante, porque é onde as pessoas trocam suas experiências e aprendem a encontrar novas soluções à partir do contato com quem vive problemas semelhantes. Conversar com os outros poderá ajudá-la a encontrar uma saída.
      Se quiser participar, é necessário agendamento, pelo telefone (11) 3256-4831, de segunda à sexta-feira, das 13:30 às 17:00 horas.
      Você será muito bem vinda!
      Abraços!
      Equipe ABRATA!

  2. Mário Freire 20 de janeiro de 2016 às 22:31 - Responder

    Equipe Abrata,

    Com imenso pesar recebo as notícias à nível regional da luta antimanicomial aqui no interior do Ceará, estado palco de um dos maiores episódios bandeira do movimento, o caso Damião Ximenes. A única casa de saúde existente aqui na região do Cariri cearense, que em 45 anos teve reais condições de abrigar pacientes em estado grave, oriundos não só da região como de outros estados, encerrou suas atividades semana passada. A mídia e os que a controlam na área da saúde operam constantemente com o velho faz de conta. Os CAPS isso, a reintegração ao seio familiar aquilo.

    Querem que acreditemos que todas as casas de saúde mental são réplicas de Guararapes ou Colônia.

    No sábado farão quatro meses da morte do meu pai, falecido na casa de saúde que mencionei. Diferente de casos reais que ensejam um novo olhar sobre a saúde mental no Brasil, ele faleceu justamente por não haver condições de CAPS algum recebê-lo e por estar a instituição abandonada há anos pelo governo, sem condições de manter sob cuidados um paciente em surto agudo e além disso, cardíaco.

    A realidade da “luta”, vos digo. E é real, pois na minha família meu pai não era o único portador de doença mental. A macabra realidade é de amados familiares acorrentados, amarrados, enjaulados, machucados e machucando seus filhos, pais, mães e esposas.

    O que seria desumanidade?

    • Equipe Abrata 18 de abril de 2016 às 22:35 - Responder

      Caro Mário Freire

      Primeiramente pedimos desculpas pela demora em postar e responder a sua mensagem. Infelizmente a sua mensagem ficou “perdida” entre as respondidas.
      Necessitamos todos nós, familiares, pacientes, profissionais e associações de saúde mental nos unir por da força e representatividade na construção de uma eficiente e efetiva politica pública de saúde mental.
      Abraços
      Equipe ABRATA

  3. Bruna 23 de maio de 2016 às 17:08 - Responder

    Olá!

    Sou acadêmica de Direito, estou concluindo um trabalho a respeito do Direito, da Moral e da Justiça entre o internamento e a luta antimaniconial e estou absolutamente de acordo com as suas afirmações, tanto que, se me permite, irei citá-lo na próxima quarta-feira.

    • Equipe Abrata 8 de junho de 2016 às 21:42 - Responder

      Prezada Bruna

      Agradecemos as suas manifestações. Cita-se a vontade para citar as publicações da ABRATA. Fomentar a diculgação de informações e conhecimentos acerca da doença é a nossa missão.
      Abraços
      Equipe ABRATA

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