Suicídio: o tabu que mata

sucidio

Falar sobre suicídio ainda é um tabu. Mas, por mais doloroso que seja, falar sobre o tema é o único caminho para salvar vidas

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a cada 40 segundos uma pessoa tira a própria vida. Os números podem ser ainda maiores, já que, por vergonha ou culpa, muitos familiares costumam mudar a causa da morte na certidão de óbito. Se o suicídio de adultos e idosos já é tema espinhoso, imagine o de crianças e jovens. Mas é justamente entre os 15 e 29 anos que os índices mais têm crescido. Em todo o mundo, o suicídio foi a segunda maior causa de morte nessa faixa etária em 2012, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Nos últimos meses, o assunto ganhou repercussão ao ser tratado pelo polêmico seriado 13 Reasons Why, da Netflix . Na produção, uma garota de 17 anos deixa fitas cassetes gravadas apontando os motivos de seu suicídio, entre eles bullying, abuso sexual e falta de apoio.

A série, que explicita e romantiza o suicídio, foi criticada por supostamente estimular jovens vulneráveis a tirarem a própria vida, a exemplo de sua protagonista, Hannah Baker. Entretanto, a produção também é um bom passo para o diálogo sobre um tema cada vez mais presente em nossa sociedade, o que pode levar a uma maior procura por ajuda e, consequente, evitar novos casos.

Outro gatilho que trouxe o suicídio à tona é o jogo da Baleia Azul, que acontece em grupos fechados nas redes sociais. Trata-se de uma gincana com tarefas a serem cumpridas por jovens ao longo de 50 dias, desde assistir filmes de terror e ouvir música psicodélica até a automutilação, culminando no ato de atentar contra a própria vida. A brincadeira macabra estaria ligada a mais de uma centena de suicídios na Rússia e alguns casos já teriam sido identificados no Brasil.

Diálogo

Para além da polêmica, o seriado e o jogo revelam a necessidade de estar atento aos motivos que levam jovens a considerarem o suicídio e aos sinais demonstrados por eles. Mudanças bruscas de comportamento, agressividade ou isolamento e distanciamento de amigos ou atividades antes prazerosas podem ser comuns nessa fase da vida, mas em exagero indicam que algo vai muito mal. “Diferente do que é mostrado na série, nenhum adolescente grava fitas para explicar seu suicídio. A parte do cérebro responsável por planejar ainda está se desenvolvendo no adolescente. Quando ele está angustiado, quer se livrar disso agora”, afirma a psiquiatra da Infância e Adolescência Sheila Caetano, professora da Unifesp. “Por isso a supervisão do adulto é tão importante.” Pesquisas demonstram que, quando há um caso de suicídio, aumentam as chances de que novos casos aconteçam em sequência, pois o jovem, diferentemente do adulto, tem um mecanismo de cópia chamado de “efeito de contágio”. “Se nessa época que estou lidando com grandes emoções, alguém do meu lado mostra a possibilidade do suicídio, isso passa a fazer parte do meu rol de opções”, diz Caetano. “Os jovens só percebem que é uma opção ruim quando sentam para conversar com adultos.”

Segundo a OMS, 90% dos casos de suicídio são evitáveis. E o diálogo é uma das saídas. Depois da estreia da série 13 Reasons Why, a procura pelo atendimento do Centro de Valorização da Vida (CVV) aumentou em cerca de seis vezes. Os voluntários atendem por telefone, e-mail, Skype e chat online.

O diálogo também tem chegado às casas e às escolas. “Os dois casos têm servido como pretexto para conversa no ambiente escolar e familiar sobre o tema, constituindo uma rede de proteção”, afirma a doutora em psicologia escolar, Elizabeth Sanada, professora do Instituto de Singularidades. “Muitas vezes não é apenas falar sobre suicídio, mas principalmente sobre angústias e medos, oferecendo uma alternativa para esses adolescentes. ” A qualidade da conversa também é destacada por especialistas, segundo os quais, regras e castigos deveriam dar lugar a mais abertura e aproximação. “Ouça com atenção, oferecendo à pessoa um tempo de qualidade”, aconselha o psiquiatra Neury José Botega, professor da Unicamp e autor do livro “Crise Suicida: Avaliação e Manejo e Comportamento Suicida”. “Deve-se ouvir e aceitar o que ela está dizendo, não fazer preleções religiosas ou morais, mas sim, criar um vínculo.”

Isso não quer dizer que limites não devam ser estabelecidos. O jogo Baleia Azul levanta a urgência da presença dos pais na vida de seus filhos, inclusive supervisionando sua navegação na internet. Eles devem controlar o tempo de permanência na internet e os sites consultados através de aplicativos que permitem acompanhar a navegação de menores de idade. “Limite também é forma de acolhimento”, enfatiza Elizabeth, professora do Singularidades. “Só assim o adolescente se torna capaz de lidar com dificuldades e se prepara para a vida.”

Sociedade

As taxas de suicídio subiram 62,5% na população brasileira em geral, entre 1980 e 2012. Na faixa dos 15 aos 29 anos, são 5,6 mortes a cada 100 mil jovens – 20% acima da média nacional –, de acordo com dados da pesquisa Violência Letal contra as Crianças e Adolescentes do Brasil e do Mapa da Violência: os

Jovens do Brasil. “Temos que encontrar uma maneira de debater o suicídio. Por que tantas crianças, adolescentes e adultos veem nele a única saída?”, questiona a psicopedagoga Jane Patrícia Haddad. As características da época em que vivemos têm muito a dizer sobre o crescimento dos casos. Uma delas é a transição das instituições tais quais as conhecíamos, especialmente a família. Outra, é a superficialização das relações em geral. “Hoje, converso com amigos em 30 palavras, enquanto antes ficava horas falando cara-a-cara com eles. Com a falta de interação, deixo de ter um grupo de suporte para os dias em que não estou tão bem”, exemplifica Sheila, professora da Unifesp. “Além disso, tenho menos irmãos, menos tios, menos primos… O suporte social tem diminuído.” “Tanto o seriado quanto o jogo são sintomas contemporâneos. Não se pode entender isso fora do conceito de uma família nova, preocupada em prover, dar e pouco frustrar”, diz Jane Haddad. Com a ascensão da mulher no mercado de trabalho e a concentração dos pais em suas carreiras, resta pouco tempo para estar junto aos filhos. “O jogo da Baleia Azul é como se os jovens buscassem modelos de identificação. E a internet pode ser esse modelo, porque os pais estão sem tempo. E educar é incompatível com a pressa”, aponta. Para especialistas, é necessário que o jovem coloque angústias e agressividade para fora de forma saudável, por meio de práticas esportivas e artísticas, por exemplo. “O que nos coloca em movimento é algo que falta”, reflete Haddad. “Temos que ensinar e preparar nossos filhos para essas faltas. Eles não vão ser completos, nunca serão sempre os melhores. É preciso entender que eles podem ser eles, com características singulares.”

Transtornos mentais

Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em 96,8% dos casos, as vítimas que se suicidaram apresentavam ao menos um transtorno psiquiátrico, como a depressão, que é o principal fator de risco. A doença está relacionada ao suicídio de 16 milhões de pessoas todo ano no mundo. Entre adolescentes, esta é a principal enfermidade mental. No Brasil, 21% dos jovens entre 14 e 25 anos sofrem deste mal, segundo dados da Unifesp. A cartilha “Suicídio, Informando para Viver”, da ABP, mostra que apenas 3% dos casos não podem ser relacionados a alguma doença psiquiátrica. Para todos os outros, há tratamento. Os números trazem à tona a importância do diagnóstico e do tratamento de doenças mentais, muitas vezes vistas como menos importantes e até como “frescura”. “Não é que a pessoa tem que ser forte e se virar sozinha. Há alterações neuroquímicas importantes em quem tem depressão”, argumenta a coordenadora da Comissão de Estudo e Prevenção de Suicídio da ABP, Alexandrina Meleiro. “É preciso vencer barreira do preconceito e buscar tratamento.” O problema mora justamente aí. Segundo a OMS, poucos países incluíram

a prevenção ao suicídio entre suas prioridades de saúde e apenas 28 relatam possuir uma estratégia nacional para preveni-lo. “Temos que ter boa rede pública de saúde mental, e essa é a maior dificuldade no Brasil”, diz o psiquiatra Neury. “Ao contrário da maioria dos países, o Brasil não tem um Plano Nacional de Suicídio, mesmo tendo taxas crescentes, na contramão da tendência global de diminuição dos casos.” Segundo pesquisa do Conselho Federal de Medicina, foram desativados mais de 7 mil leitos de psiquiatria em todo o país entre 2010 e 2013, o que impediu a internação de pessoas em situação de risco de atentar contra a própria vida. Em países da Europa, Estados Unidos e Austrália, que contam com mais estrutura para atender aos casos de saúde mental, os índices de suicídio vêm caindo.

Como ajudar

Especialistas destacam a importância de a escola e os pais acompanharem não apenas as notas, mas também o rendimento socioemocional dos filhos. “O professor é formado em pedagogia, mas não recebe todo treinamento de métodos do socioemocional, faltando interação com profissionais da saúde sobre como abordar os temas”, critica a psiquiatra Sheila. “A escola deve investir mais em competências socioemocionais, reverberando para saúde social, psíquica e cognitiva”, aconselha Elizabeth, doutora em psicologia escolar. “É essencial o trabalho de conscientização da equipe de saúde sobre a importância de se escutar a dor psíquica que caminha silenciosamente e quando consegue ser ouvida é em ato como o suicídio.” Jane Haddad destaca que o momento é um convite à reflexão sobre valores essenciais da “família chamada Humanidade”. “O que realmente é essencial? Será que não temos mais nada a dizer aos nossos jovens?”, questiona.

Onde buscar ajuda

Centro de Valorização da Vida (CVV ) – Site: www.cvv.org.br Telefone: 141 (atendimento 24 horas)

Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos Site: www.abrata.org.br – Telefone: (11) 3256-4831

Fonte: Revista Cidade Nova / Fraternidade em revista – Exemplar 614 – Ano LIX -Nº 6 Junho de 2017 – www.cidadenova.org.br

Licenciamento de conteúdo: Os artigos desta revista podem ser reproduzidos parcial ou totalmente desde que sejam citados a fonte e o autor. Fotos e ilustrações: só com autorização escrita da Editora Cidade Nova

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DESTAQUES

6 Comentários

  1. Mariana 28 de junho de 2017 às 12:34 - Responder

    Como saber se uma pessoa corre realmente o risco de se suicidar?
    Uma pessoa que diz planeja,mas nunca executa corre realmente o risco?
    O que fazer? E necessário internação em casos assim?

    • Equipe Abrata 14 de julho de 2017 às 06:19 - Responder

      Olá Mariana

      Seguem algumas recomendações
      – Se você estiver se sentindo suicida ou conhecer alguém que esteja:
      – chame um médico, um serviço de emergência, ou ligue para 190 imediatamente
      para obter ajuda logo
      – certifique-se de que você, ou a pessoa suicida, não fique sozinho
      – certifique-se de que não haja acesso a uma grande quantidade de medicação,
      armas ou outros artigos que possam ser usados para auto-lesões
      – telefone para o Centro de Valorização da Vida – CVV:
      O CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e
      gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, e-mail, chat e Skype 24 horas
      todos os dias.

      Um grande abraço
      Equipe ABRATA

  2. William de Moura 11 de julho de 2017 às 13:34 - Responder

    Gostaria de saber se uma pessoa Bipolar sem tratamento pode viajar para fora do país

    • Equipe Abrata 19 de julho de 2017 às 06:17 - Responder

      Prezado William,

      Não é recomendável que um portador de transtorno bipolar fique sem tratamento. A falta de adesão ao tratamento é, de longe, o maior fator de risco de recorrência de crises.
      Uma viagem ao exterior pode representar um risco adicional, especialmente se houver grande mudança de fuso horário. A mudança de fuso horário pode precipitar uma crise do transtorno, possivelmente por alterar o ciclo sono-vigília. Além disso, se a pessoa tiver uma crise bipolar em outro país, pode passar por sérias dificuldades, aumentando ainda mais o ônus do transtorno quando não tratado.
      Se o paciente estiver em tratamento continuado e estável, ele pode viajar para outro país, mas deve conversar com o seu psiquiatra qual a melhor estratégia de tratamento durante a viagem para que sua saúde mental fique mais protegida.

      Um abraço,
      Equipe ABRATA”.

  3. william de moura 11 de julho de 2017 às 15:21 - Responder

    Tenho uma enteada que tem que é bipolar, e quer viajar de qualquer jeito para fazer intercambio. Ela diz para mãe se não viajar vai cometer o suicídio. Gostaria de saber se é aconselhado uma pessoa com esse transtorno viajar.

    • Equipe Abrata 19 de julho de 2017 às 06:17 - Responder

      Prezado William

      Não é recomendável que um portador de transtorno bipolar fique sem tratamento. A falta de adesão ao tratamento é, de longe, o maior fator de risco de recorrência de crises.
      Uma viagem ao exterior pode representar um risco adicional, especialmente se houver grande mudança de fuso horário. A mudança de fuso horário pode precipitar uma crise do transtorno, possivelmente por alterar o ciclo sono-vigília. Além disso, se a pessoa tiver uma crise bipolar em outro país, pode passar por sérias dificuldades, aumentando ainda mais o ônus do transtorno quando não tratado.
      Se o paciente estiver em tratamento continuado e estável, ele pode viajar para outro país, mas deve conversar com o seu psiquiatra qual a melhor estratégia de tratamento durante a viagem para que sua saúde mental fique mais protegida.

      Um abraço,
      Equipe ABRATA”.

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