O Papel da Eletroconvulsoterapia – ECT – No Tratamento do Transtorno

A ABRATA entrevista:
Márcia Britto de Macedo Soares – Médica psiquiatra

Mestre em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP
Médica Colaboradora do Grupo de Estudos de Doenças Afetivas (GRUDA) do Instituto de Psiquiatria do HCF-USP


O eletrochoque é considerado por muitos um tratamento antigo. É usado ainda?

Quando falamos em convulsoterapia, ou a indução de crises convulsivas com finalidade terapêutica, as imagens associadas são, muitas vezes, aquelas que nos são apresentadas pelo cinema. Não raramente, a convulsoterapia é associada à tortura, a um método de punição, a um tratamento antiquado, ultrapassado. Vale contar um pouco da sua história. A convulsoterapia foi introduzida por Von Meduna, em 1934, que utilizava substâncias químicas como a cânfora e o metrazol para induzir convulsões, acreditando que elas pudessem se associar à melhora clínica de pacientes com quadros psicóticos (p. ex. com delírios e alucinações). Observou-se, porém, que os efeitos colaterais eram desagradáveis para os pacientes, e que era um método pouco seguro. Em 1938, na Itália, dois médicos, Cerletti e Bini, utilizaram o estímulo elétrico para provocar as convulsões. Daí o nome eletroconvulsoterapia, ou eletrochoque, conhecida também como ECT. Na época, verificou-se que a ECT oferecia maior segurança para os pacientes, e era eficiente no tratamento dos transtornos psiquiátricos.

Nas décadas de 1930 e 1940 não contávamos, ainda, com medicamentos e a ECT era a única forma eficaz de tratamento de que se dispunha. Os movimentos antipsiquiátricos, que atingiram seu auge durante a década de 1970, levaram a restrições no seu emprego, porém o preconceito e as limitações fizeram crescer o interesse na ECT. As investigações possibilitaram o aprimoramento da técnica, que se tornou mais segura, e reforçaram a importância da ECT em casos mais específicos.

Quais as indicações, hoje, para o tratamento com a ECT?

As indicações são precisas: depressões graves, com alto risco de suicídio (pela rapidez da resposta, que aumenta a segurança para o paciente); depressões que não respondem ao tratamento com antidepressivos (cerca de 50% dos casos melhoram com a ECT); episódios de mania grave ou que não respondem ao tratamento com medicamentos (pela rapidez de resposta); depressões graves ou episódios de mania em gestantes (pela segurança para o feto, pois não oferece risco de malformações, e para a gestação); em idosos que têm outras doenças clínicas.

Como é feito, hoje, o tratamento com a ECT?

A ECT é hoje realizada em condições muito seguras: os pacientes são informados sobre o procedimento e assinam um termo de consentimento, ou seja, devem concordar com o tratamento; são submetidos a exames médicos (inclusive à avaliação cardiológica) e a exames laboratoriais antes do tratamento; as aplicações de ECT são realizadas sob anestesia, sob relaxamento muscular, sob oxigenação adequada, na presença de uma equipe composta por anestesista, psiquiatra, enfermeiros; durante as aplicações, são realizados os registros de eletroencefalograma (ECG) e do eletrocardiograma (EEG); as salas nas quais a ECT se realiza devem ter equipamentos para procedimentos de emergência. A ECT é considerada um tratamento de baixo risco: o risco é igual ao de qualquer outro procedimento médico que necessite de anestesia (segundo estimativas recentes, o risco de complicações é de 0,04%). O paciente deve iniciar o tratamento em jejum de 6 a 8 horas, com a bexiga vazia e com os cabelos limpos e secos. As próteses são removidas. O paciente será mantido com soro, para permitir a administração das medicações usadas na indução da anestesia e do relaxamento muscular.

Os anestésicos empregados são de curta duração, permitindo a sedação leve. O relaxante muscular é importante para evitar fraturas e luxações. Desde o momento em que o paciente é sedado, até que volte a respirar espontaneamente, recebe ventilação com uma máscara de oxigênio. Quando o paciente acorda, a equipe de enfermagem se certifica de que está consciente, orientado, e depois é liberado para o desjejum. Como em qualquer procedimento que envolva a sedação (como endoscopia, pequenas cirurgias, o paciente que se submete à ECT ambulatorial deve estar acompanhado por um responsável, pois não deve dirigir ou operar máquinas naquele dia. Se estiver internado, será encaminhado ao seu leito. As aplicações são realizadas, normalmente, com freqüência de três vezes por semana, em dias alternados. O número total de aplicações depende da resposta do paciente: alguns pacientes necessitam de 4 a 6 aplicações, outros precisam de 12 ou mais, até que apresentem uma melhora significativa.

E para os pacientes que respondem à ECT, ela substitui o lítio?

A ECT pode ser adotada como tratamento agudo e como tratamento de continuação e de manutenção. Até agora demos ênfase ao seu uso no tratamento agudo dos transtornos do humor. Em muitos casos, a ECT é adotada como tratamento de manutenção. Nestes casos, as aplicações de ECT são espaçadas e, de acordo com o critério clínico, podem ser adotadas aplicações semanais, quinzenais e mensais. Em alguns casos, principalmente nos casos de depressão unipolar, a ECT pode ser empregada isoladamente como tratamento de manutenção. Em outros, entretanto, deve-se manter o tratamento associado, ou seja: os estabilizadores do humor, como o lítio são mantidos, e a medicação é suspensa apenas um ou dois dias antes da aplicação da ECT de manutenção, e depois reintroduzida. É muito importante ressaltar que a conduta, nesses casos, deve ser individualizada; o psiquiatra que acompanha o caso indica o tratamento de manutenção mais adequado.

A ECT causa lesão cerebral? Quais são os efeitos colaterais da ECT?

Alguns mitos e crenças ainda são associados à ECT, mas muitos puderam ser desfeitos nos últimos anos. Estudos recentes comprovaram que a ECT não leva a danos cerebrais. Os principais efeitos colaterais, depois das aplicações são dores de cabeça, náuseas, e que na maior parte dos casos melhoram com o uso de medicamentos. Os efeitos sobre a memória estão associados a tratamentos prolongados, com um maior número de aplicações, e são raros os casos em que dura mais de seis meses.

Como é visto hoje, o tratamento com a ECT?

Embora os progressos na técnica ofereçam maior segurança, a ECT ainda é um procedimento temido pelos pacientes. Ainda não se desvencilhou da roupagem antiga, do “bicho de sete cabeças”, da imagem de tortura, de castigo. Por desinformação, por falta de esclarecimento, a ECT é muitas vezes negada como alternativa de tratamento. Por outro lado, são inúmeros os casos de pacientes e familiares que demonstram sua satisfação com o tratamento, e manifestam o desejo de a ele se submeterem novamente, se necessário. Por estas razões, centros universitários no mundo todo, hoje, se esforçam pela padronização da técnica, pela formação de profissionais capacitados para sua realização, buscam informar adequadamente os pacientes e seus familiares (com vídeos, palestras, material educativo, esclarecimentos), dentro do que prescrevem os princípios éticos, e promovem pesquisas que visam aprimorar, ainda mais, a ECT.

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