Depressão na prática médica não psiquiátrica

Amanda Galvão de Almeida – Psiquiatra

A ocorrência de depressão em indivíduos com doenças clínicas não psiquiátricas é um assunto importante e tem várias consequências que serão brevemente comentadas. Sabemos que várias doenças estão associadas ao aparecimento de depressão, tais como câncer, artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, doenças da tireoide, diabetes, infarto cardíaco, hepatite C, AIDS, epilepsia, doença de Parkinson, síndrome do intestino irritável, entre outras. Estudos realizados na população confirmam essa relevante associação entre depressão e doenças físicas, nos quais a depressão se mostra 5 a 10 vezes mais frequente em pacientes clinicamente doentes do que na população em geral.

Acredita-se, atualmente, que independente do fato do paciente dar um peso maior ou menor para determinados aspectos da sua doença, como estigma, dor, incapacidade física, risco de morte e/ou complicações, os fatores biológicos intrínsecos contribuem para o desenvolvimento de depressão, e esta, uma vez presente tende a piorar a doença clínica em curso, aumentando as intercorrências pós-cirúrgicas, dificultando o controle da hipertensão, da diabetes e de outras doenças. Dessa forma, a presença de uma doença física aumenta a chance do indivíduo deprimir, assim como a presença da depressão piora a doença clínica em curso. Além disso, a doença clínica associada à depressão leva a uma pior qualidade de vida e maiores custos com a saúde em geral.

Uma das maiores evidências da dificuldade em se abordar a presença da depressão no curso de outras doenças foi observada durante estudos de tratamento de câncer e de infecções (como a hepatite C) com medicações que têm como efeitos colaterais vários sintomas que se assemelham à própria depressão, tais como perda de prazer para atividades cotidianas, choro fácil, irritabilidade, cansaço, alterações do sono, falta de apetite, dificuldade de concentração, entre outros. Essa sobreposição de sintomas se deve provavelmente à presença de alterações imunológicas causadas pelas doenças e/ou pelos tratamentos, envolvendo a ação de substâncias produzidas pelo sistema imunológico no cérebro.

Nesse sentido, as alterações comportamentais descritas como “comportamento de doente”, que são decorrentes do estado clínico ou da ação de substâncias usadas com finalidade terapêutica, se confundem com os próprios sintomas da depressão, tornando o diagnóstico de depressão difícil de ser feito. Deve-se isso ao fato de que uma pessoa pode, somente pela presença de uma doença clínica, cursar com fadiga, isolamento social, redução de peso e diminuição de libido, por exemplo, fazendo com que esses sintomas sejam menos específicos para o diagnóstico da depressão.

Assim, uma maneira de facilitar o diagnóstico é investigar sintomas mais característicos da depressão, tais como tristeza persistente, choro fácil, perda de prazer, desesperança quanto ao futuro, pessimismo intenso, ideias de morte ou até de suicídio. Esses são considerados sinais de alerta e requerem uma avaliação psiquiátrica imediata, pela maior probabilidade da existência de um quadro depressivo comórbido, ou seja, doença clínica mais depressão associada.

Na prática clínica, garantir um diagnóstico acurado de depressão em um paciente com uma doença clínica é muitas vezes um desafio. Infelizmente, as questões referentes a essa dificuldade diagnóstica resultam no não reconhecimento da depressão em cerca de um terço dos indivíduos com doenças físicas, o que ocasiona uso irregular das medicações prescritas pelos médicos, maiores taxas de não adesão ao tratamento e ausência de seguimento das orientações terapêuticas como um todo, como seguir dieta adequada.

Além disso, apenas uma minoria de pacientes com depressão é tratada com doses adequadas de antidepressivos. Isso ocorre porque alguns especialistas têm receio de usar mais uma medicação para tratar um paciente que já usa uma variedade de remédios. Existe uma preocupação quanto aos possíveis efeitos colaterais dos antidepressivos e isso pode resultar em prescrição de doses não terapêuticas, o que acarreta falta de controle dos sintomas depressivos.

Portanto, o ideal seria que, diante de um paciente clinicamente doente em que um quadro depressivo seja suspeitado, um psiquiatra possa avaliá-lo e tratá-lo em parceria com outro especialista, a fim de obter a remissão dos sintomas depressivos.

Em conclusão, a presença de depressão em indivíduos com doenças clínicas diversas deve ser sempre avaliada e, quando presente, adequadamente tratada, a fim de evitar agravamento do prognóstico do paciente não apenas em relação a sua doença de base, mas também por comprometer de maneira global sua qualidade de vida.

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